30/05/2022 às 22:37 maternidade amamentação

AMAMENTAR É DOR, MAS TAMBÉM É CURA

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6min de leitura

Sempre quis ser mãe, casar não estava nos meus planos. Se a Xuxa podia, eu também podia. Bem, não é muito assim que as coisas funcionam até porque eu não tinha o dinheiro da Xuxa e o cara lá de cima tinha me dado um belo de um parceiro de vida.

Quando a Giulia nasceu eu era independente, tinha um emprego em uma boa empresa, bons benefícios - sonho de toda mãe - flexibilidade de horário, apartamento próprio  e uma rede de apoio imensa tanto do lado do meu marido quanto do meu. E não é modo de falar não, se eu dissesse "pode vir agora?" eu teria que administrar bastante gente disposta a ajudar. Um privilégio, confesso.

Estou contando isso para contextualizar que estava tudo cooperando para ser um puerpério de comercial de margarina. Só que não acontece como na publicidade, infelizmente.

Na primeira noite no hospital eu não tive leite. Até aí tudo bem, quase nenhuma mãe tem, faz parte. Na segunda noite minha filha urrava como se quisesse voltar para dentro da barriga onde o alimento chegava em um belo canudo em forma de milkshake. A terceira noite foi em casa e ali começava a minha peregrinação para amamentar.

Durante muito tempo hiper foquei em amamentação e li todos, absolutamente todos os blogs de maternidade, assinei newsletter de produtos de amamentação, li livros, usei concha, comprei sutiãs práticos e caros assim como roupas adequadas e camisolas nada sexy para estar ali 100% dedicada a dar o sustento que minha filha precisava.

Meu leite apareceu no 4º dia juntamente com um bico rachado por passar praticamente o dia todo oferecendo o peito para a minha bebê já que "quanto mais suga, mais leite produz" e eu me tornei uma mãe exausta porém feliz de poder amamentar, afinal, segundo todos os livros que li e os blogs de maternidade, nós nascemos para isso.

Lembra que falei lá no começo que eu era independente e que tinha um bom emprego? Pois é, esqueci de dizer que para uma empresa de maioria masculina, a mulher ausente por conta do puerpério significa apenas zeros a mais na folha de pagamento. Meu telefone não parou de tocar um minuto durante minha licença maternidade.

Minha filha não mamava o suficiente apesar dos meus imensos esforços. O pediatra dizia que ela era preguiçosa mas a verdade é que 1 hora sentada para amamentar um bebê que suga uma vez a cada 10 minutos e ao mesmo tempo chora de fome, era uma tarefa demasiado pesada para mim. A lista de tarefas pendentes só crescia enquanto a minha bebê revezava entre chorar copiosamente de fome e eu chorar de dor enquanto meu bico queimava como brasa. Fora os vômitos em forma de jato que me assustavam e me enchiam de culpa porque afinal, "foi alguma coisa que você comeu que passou para o leite". A culpa sempre é da mãe. A cada visita ao pediatra meu coração ardia "Pais, ela está no limite do bebê de baixo peso". Era como se eu recebesse um diploma de péssima mãe mas segui porque eu estava fazendo o possível até o meu limite.

Eu sei que a essa altura você, futura mãe, está apavorada lendo isso porque não foi o que nos venderam sobre amamentação, não é mesmo? Em contrapartida, aquela mãe que amamentou como se violinos tocassem ao fundo deve estar me julgando egoísta. Pois para essa mãe eu tenho uma informação importante, não foi dessa forma com a segunda filha e eu também ouvi esses violinos numa brisa leve do amamentar sem culpa e sem dor com a minha segunda bebê. Então não, não sou egoísta. Estou tentando dar um relato sincero sobre como essa imposição sobre ser uma mãe ideal está minando a saúde emocional  de milhões de mulheres, que assim como eu, o leite secou antes dos 3 meses de vida porque cada mulher tem a sua própria história. 

E eu, aos 28 anos, depois de ter tentado de tudo até meu último suspiro me rendi à fórmula. Chorei, me senti culpada e incluí no nosso orçamento um leite antialérgico que custava R$ 150,00 uma lata que durava 1 semana. Lembra que o meu leite fazia a minha bebê vomitar, pelo menos assim me disseram. Um belo dia experimentamos o bom e velho Leite de bebê daqueles vendidos até em supermercado e pasmem, tudo fluiu lindamente. Enfim, após quase 4 meses tivemos um refresco.

Aos 5 meses voltei ao trabalho. Deixávamos a nossa filha com minha cunhada, sogra, prima, mãe, tia e eu ia para o ponto pegar um ônibus, depois uma barca e depois outro ônibus. Assim era todo santo dia tanto para ir quanto para voltar. Três horas do meu dia dedicado a esse trajeto. Não havia a menor possibilidade de tirar leite e armazenar na geladeira coletiva do escritório. Fiz isso uma vez e voltei com o terno sujo e o leite azedo.

Assim seguimos. A minha bebê começou a comer sólidos aos 4 meses e aos 9 meses falava e andava como gente grande e nós temos vídeos de tudo isso. Ela deu os primeiros passos no berço aos 7 meses e meio. Também nunca adoeceu, nunca fomos à emergência de um hospital. Gripes sazonais como toda criança que inicia vida escolar e é assim até o momento que escrevo, com quase 14 anos no ano de 2022. Ela ficou ótima com sua tão rejeitada fórmula de leite artificial, já eu, segui em frangalhos por ter sido incapaz de dar a ela algo tão simples e natural como o leite materno e carreguei por muitos anos essa culpa.

Depois dessa experiência eu prometi que nosso segundo filho sairia da maternidade de mamadeira e assim fizemos. Em 2011 nossa segunda filha nasceu e já na primeira noite no hospital estávamos preparados para não sermos oprimidos mais uma vez. Dessa vez seria diferente.

Ela chegou naquele charutinho que as enfermeiras fazem à prova de pai sem jeito. Eu e meu marido já estávamos com mamadeira de 15 ml engatilhada só esperando o momento dela berrar ao colocar no peito, que naquele momento oferecia muito mal o colostro - no qual eu não abri mão - mas eu ali, já estava preparada para complementar.

Fiz todo o ritual de preparação, assepsia do peito e tudo o que tem direito, mas o backup ali no meu campo de visão para sacar a qualquer momento. E qual foi nossa surpresa ao perceber que ela não somente pegou o bico imediatamente como também o meu leite desceu logo em seguida. Por alguns minutos eu fiquei parada olhando para ela sem acreditar que Deus tinha sido misericordioso comigo e tinha me dado a oportunidade de ressignificar toda a minha experiência de angústia e ansiedade com o processo de  amamentação. 

Por todo o puerpério da nossa caçula eu tive muito leite, a ponto de ter que esvaziar o peito no banho quente. Ela perdia roupas, tinha bochechas rosadas e enormes que ganhou através da amamentação exclusiva de leite natural.

Apesar de todo esse benefício, nossa caçula tinha uma alergia respiratória que nos fez parar na emergência muitas vezes e nebulizar no oxigênio por 5 dias seguidos. Até hoje ela é muito alérgica e a cada mudança de tempo é preciso estar atento ou medicar. O bebê gorducho deu lugar a uma menina bem magrinha, mas saudável, apesar de alérgica. 

Amamentar por 6 meses a nossa caçula me fez muito feliz. Era leve, agradável, rápido e prazeroso. Era o que faltava na minha experiência da maternidade, mas eu descobri que podia viver sem ela já que minha experiência com a amamentação com leite artificial com a primeira filha trouxe para mim o equilíbrio que eu precisava na época. Tudo se encaixou.

Consegui amamentar a caçula até os 6 meses, mas decidi interromper pois queria dar às duas a mesma oportunidade, ou o mais próximo disso possível, do vínculo que tive uma com a outra nesse processo mesmo que tenha sido de maneiras diferentes.

Toda essa experiência me mostrou que amamentar não diz respeito ao tipo de leite, ao reservatório como ele é oferecido, à estrutura nutricional que o leite é elaborado. Amamentar é o ato de dar alimento ao seu filho de uma maneira que junto dele a gente entregue nossa alma e coração. 

Amamentar é ofertar amor. E só tem amor quem tem para dar. Que a pressão da sociedade em ser uma mãe ideal não tire esse brilho de ser a melhor mãe que a gente consegue ser. Compartilhar minha experiência é dizer que sim, toda mãe tem leite e todo leite é bom, mas nem toda mãe está psicologicamente preparada para fazer a máquina girar. Cuidem de vocês, do ambiente, do contexto e não se sintam culpadas por tomar decisões que vão contra ao senso comum. Mãe sente e sabe.

No fim, é tudo sobre amor. Tudo é AMARmentar. Fique em paz.



30 Mai 2022

AMAMENTAR É DOR, MAS TAMBÉM É CURA

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